sábado, 31 de março de 2012

JESUS “ENTRA” EM JERUSALÉM

Para uma “espiritualidade urbana”

Galiléia foi a primeira decisão importante que Jesus tomou no início de sua vida pública.

Ele viu claramente que o melhor lugar onde Ele poderia e deveria comunicar sua mensagem era preci-samente fazer-se presente nos povoados, nas pequenas vilas, nos campos e à beira-mar, lugares habitados por humildes camponeses e pescadores, pessoas pobres e marginalizadas, doentes e excluídos.

O fato é que Jesus, para realizar sua missão de Mestre, não se dirigiu à capital, Jerusalém, nem à impor-tante província da Judéia. Para comunicar uma “boa notícia” à sociedade de seu tempo, não buscou con-quistar para si os notáveis e as classes abastadas, nem procurou os postos de privilégios, nem o favor dos mais influentes, e nem, muito menos, os que detinham o poder e o dinheiro nos grandes centros urbanos.

Todos sabemos que as “mudanças profundas e duradouras” na sociedade não vem de cima, mas de baixo, a partir da solidariedade e da identificação de vida com os últimos deste mundo. Ali, nas periferias e nas margens, há uma esperança latente e alentadora daqueles que se empenham por imprimir um movimento novo à história; é nele que está a semente de uma vida diferente, criativa e mais promissora.

E Jesus foi o ponto de partida de uma ousada mudança na história da humanidade.

Os evangelistas sinóticos relatam a vida pública de Jesus como uma subida das “periferias” até a capital política e religiosa. E Jesus “entra” em Jerusalém, montado num burrinho e aclamado por seus seguido-res. Escolhe um burrinho como símbolo de um messianismo de paz e simplicidade. Nada, portanto, de uma manifestação espetacular; Ele rompe com a imagem de um triunfador e despoja-se de todo indício de poder. Jesus, presença de vida nos povoados, vilas e campos, quer levar vida a uma cidade que carre-gava forças de morte em seu interior. Ele quer pôr o coração de Deus no coração da grande cidade; deseja re-criar, no coração da capital, o ícone da nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comu-nhão, o lugar da justiça e fraternidade...


O gesto profético de Jesus de “entrar em Jerusalém” nos convida a contemplar nossas cidades e nos desafia ser presença evangélica, transformadora, portadora de vida nos nossos grandes centros urbanos.

* Como ser portador de Boa Notícia nas grandes cidades?

* Como ser sinal de comunhão e do Amor misericordioso do Deus da Vida?

* Como transformar a vida das grandes cidades?

Cada cidade revela em seu interior uma vocação e um mistério: são muitas as maneiras de olhar a cidade e de deixar-se afetar por seus encantos e por seus desafios.

A cidade é o lugar das contradições e ambigüidades; ela é caracterizada pela mobilidade, pelo plura-lismo de culturas, pela distância econômica entre as pessoas, pelo ritmo acelerado das informações e conhecimentos...; ela oferece um espaço de socialização a partir da rua, do trabalho, da escola, da academia, do shoping center, etc...; ela é também o espaço das inovações, dos riscos, dos experimentos e da busca do novo. Nela se encontra o lugar dos sonhos, dos desejos, da liberdade e autonomia. Ao mesmo tempo, o ritmo urbano força as pessoas a viverem em contínuos deslocamentos, sem firmar relacionamen-tos profundos e alimentando o medo do outro, a auto-suficiência, a insensibilidade, o individualismo...

Por causa de seu tipo de vida e de sua espiritualidade, o seguidor de Jesus desenvolve uma relação espe-cífica com o espaço urbano. Para ele, a cidade é também o espaço para a busca e o encontro de Deus.

Podemos falar de um “típico modo de proceder cristão” em sua referência ao espaço urbano.

A cidade é um fato humano que pode e deve ser iluminado pelo Evangelho, sustentado pela graça, ani-mado pela esperança da vinda do Reino. É necessário aprender a ler a cidade com os olhos caridosos, paci-entes, misericordiosos, amigos, fecundos, cordiais.

É preciso reconhecer o bem profundo que habita o coração de tantas pessoas da cidade; é necessário perceber e sentir a força da ação do Espírito em cada canto da cidade e em cada rosto anônimo que encontramos.

Deus constrói a cidade perene, a cidade sem muralhas, a cidade da plenitude e da amizade, a cidade da fraternidade na qual todos se reconheçam como irmãos e irmãs sob um único Nome e sob um único Céu. Deus é o grande arquiteto; é Ele quem constrói, para a humanidade, a imensa cidade na qual todos se reconhecem fraternos, próximos, ternos...

O mundo urbano é, certamente, área de missão da Igreja e dos cristãos. Sua principal preocupação é a defesa integral da vida e de seu sentido último, o mundo dos valores éticos que iluminam o homem e a mulher na sua ação no mundo.

Para concretizar essa missão, os cristãos devem assumir uma atitude testemunhal, tendo como proposta uma ética comunitária, fundada no valor sagrado da pessoa humana e de suas relações, sobretudo com o mais fraco e pobre como interpelação do Deus vivo.

O missionário na cidade, para tornar eficaz sua ação, deve estar sempre na porta de saída, com o olhar voltado para as necessidades do interior das cidades. Sua função é ser “fermento na massa”. É aquele que ultrapassa todas as fronteiras, com uma alternativa sempre nova: a Boa Notícia. O Evangelho ilumi-na a vida das cidades e exige dos evangelizadores atitudes novas, propostas ousadas...

Como seguidores de Jesus, é preciso voltar a pôr o coração de Deus no coração da grande cidade, para renová-la a partir de dentro.

Faz-se necessário uma opção por adentrar e viver imersos, com todas as consequências, no interior dos grandes centros urbanos, em seu coração, para aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa ao ritmo dos despossuídos, dos excluídos, dos sofredores e dos sedentos por uma vida mais digna.

Nosso zêlo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está contida, deve favorecer o advento de uma “Nova Jerusalém”; é preciso cuidar o coração do “do ser humano urbano”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo, transformá-lo em humilde receptáculo, para que o Espírito do Senhor possa pousar-se e habitar nele como num ninho acolhedor, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...

Uma das tarefas prioritárias do cristão de hoje é ajudar as comunidades cristãs a criar espaços fraternos de silêncio, de oração, pulmões que impedirão a asfixia de nossas grandes cidades;

* encontrar lugares de silêncio pacificador” na vida pública;

* nossas instituições devem ser escolas do silêncio habitado”.

A espiritualidade urbana deve nos possibilitar “paradas” com a finalidade de olhar em profundidade e “ler” tudo à luz da Palavra de Deus. A cidade é o lugar por excelência do discernimento, porque é o espaço de decisão onde se constrói o futuro comum. Lugar da política, da cultura, da educação, da saúde... onde se forjam as mudanças, a capacidade de criar novos modos de existir, de romper com as estruturas que desumanizam e buscar o diferente, o novo, o desconhecido...

No meio das cidades encontramos homens e mulheres “especiais” que carregam alegremente, e muitas vezes com um profundo sentido crítico e político, a dor da humanidade, e se convertem assim em fator essencial de esperança para um futuro humanizador; são pessoas que prestam sua vida, sua acolhida e seus cuidados aos pobres, aos deficientes, aos toxicômanos, aos meninos de rua, aos anciãos...

Somos convidados a viver a mística dos profetas nas grandes cidades. O místico não se cansa de ser sinal de esperança e testemunha do Deus da Vida no meio das contradições da cidade. Na cidade somos chamados a abrir nossas casas e estarmos sempre prontos para receber os desafios que vem da rua.

A ação profética é sempre a busca permanente do outro, além das paredes da própria casa.


Este é um dos grandes desafios na grande cidade. Romper com o individualismo e o poder que marcam as relações entre os homens e as mulheres, para criar um marco novo, humanizador e aberto a Deus Pai, através de pequenas comunidades. Comunidades daqueles que confessam o seu amor comum pelas mesmas coisas – as mesmas esperanças, os mesmos sonhos, a mesma utopia do Reino.

É, sobretudo, em tôrno da mesa que uma comunidade se constitui; com o gesto do “re-partir” se estabelece uma rede de relações entre as pessoas que aceitam conspirar, co-inspirar, em tôrno do fascínio da proposta de Jesus. Na verdade, a Eucaristia vivida é o sal, o levêdo, a luz e a alma da cidade.

Texto bíblico: Mc. 11,1-10

Sugerimos uma “caminhada contemplativa” pelos espaços urbanos cotidianos, olhando, escutando, observando e sentindo o pulsar da vida nas pessoas, nas plantas, pássaros e animais.

Procure descobrir “sinais do Reino de Deus” no meio do ritmo frenético de sua cidade.

Traga à mente nomes de pessoas corajosas e criativas que contagiam e fazem crescer a esperança na sua cidade.

Texto de Pe. Adroaldo - SJ

quinta-feira, 29 de março de 2012

O QUE SIGNIFICA CELEBRAR A PÁSCOA HOJE?

Estamos em pleno século XXI. Dia a dia, nos encontramos cada vez mais submersos no universo da tecnologia, do virtual, da autonomia. Ao mesmo tempo, ao nosso lado, pessoas ainda vivem como se tivesse parado no tempo, enfrentando adversidades de toda a ordem. Esse contraste paradoxal é apenas um elemento de nossa complexa constituição social e cultural atual. No meio de tanto deslumbramento com a técnica e com a ciência, qual o espaço para a reflexão e para a vivência da fé? Qual é a importância dos valores cristãos, principalmente da solidariedade e do amor ao próximo em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela autonomia? Na correria de nossos dias, encontrar um tempo para refletir e tentar compreender nosso mundo é mais do que importante - é quase uma questão de sobrevivência.

Nesse sentido, o que significa celebrar a Páscoa hoje? De que maneira podemos relacionar o momento pascal com a crise financeira internacional, com a crise ambiental e com a crise múltipla de valores em que nos encontramos? Há sentido em celebrar a Páscoa em uma sociedade cada vez mais marcada pela violência? Qual a contribuição da reflexão da Páscoa para a construção de possibilidades de vida digna do ser humano? A morte e a ressurreição de Jesus Cristo têm algum significado para nosso contexto sociocultural?

Para a teóloga Maria Cristina Gianni, festejar a Páscoa tem tudo a ver com o nosso contexto. “Celebramos na Páscoa a ressurreição de um crucificado: Jesus de Nazaré. A páscoa é uma celebração da esperança. Não existe realidade de injustiça e de sofrimento que não possa ser superada pela ressurreição”. Para Cristina, “nosso compromisso como cristãos é viver essa ressurreição para sermos instrumentos, possibilitando que esse renascimento também aconteça onde quer que estejamos: na universidade, no meio do povo, trabalhando pela ecologia. Isso tudo tem sentido, porque quem ressuscitou foi um crucificado”. Cristina destaca que temos hoje, no mundo, “uma natureza que está gritando também para ser libertada, que está sofrendo, por nossa causa, por nossas opções equivocadas. Mas temos como reverter isso. Jesus nos mostra que amando até o fim é possível mudar a realidade de nossa vida, de nossa sociedade”.

Já para o frei Alberto Beckhäuser (OFM), a dificuldade, e até mesmo “incapacidade da sociedade moderna celebrar a Páscoa”, está arraigada na necessidade de acreditar em Jesus Cristo. Ele explica: “Sem fé em Jesus, não podemos celebrar a Páscoa, pois a Igreja celebra a morte e a ressurreição de Cristo e a morte e ressurreição dos que crêem e seguem a Cristo”. Na sociedade moderna e pós-moderna, caracterizada pela razão, eficiência, e “onde o único valor parece ser o gozo momentâneo, a Páscoa virou feriadão, virou faturamento na área financeira do consumo de chocolate, de pescado, ou exploração turística do vago sentimento do religioso, do sagrado”. Nesta mentalidade consumista e hedonista, “é praticamente impossível celebrar a Páscoa, pois carece do seu verdadeiro sentido”.

“Páscoa é um evento essencialmente cristão, em uma referência a Jesus de Nazaré, um ser humano histórico que é o verbo de Deus encarnado, pelo qual Deus se fez gente, palmilhou nossos caminhos e viveu e morreu pela causa do Reino.” Esta é a definição que a teóloga e doutora em Teologia Cleusa Andreatta, dá para essa época do ano. Nessa perspectiva, a Páscoa remete para a dimensão de solidariedade a partir da figura de Jesus. “Nesse tempo de Páscoa, celebramos a ressurreição de alguém que passou a vida inteira fazendo o bem, como está dito nos Atos dos Apóstolos. Parece simples, mas, quando olhamos para a trajetória dele, vemos que é toda pautada pela solidariedade. É uma vida entregue de muitas formas em ações concretas pelas pessoas de seu tempo e, além disso, ensinando para todas as gerações posteriores um jeito de ser humano, um jeito de ser gente ao lado de outras pessoas”. “Quando olhamos para a prática de Jesus, vemos aquele sujeito que olha os outros seres humanos e age em favor deles, gasta seu tempo, sua energia, e faz dessa ação em favor dos outros um projeto para a vida inteira.

Nesse sentido, a Páscoa tem tudo a ver com o tema da solidariedade, mas uma solidariedade que não é apenas de fazer pequenas ações ou alguns gestos. É a solidariedade feita estilo de vida, internalizada como projeto pessoal. É o ato de dar a vida pelo outro por amor. Quem celebra a Páscoa se dispõe a andar nesse caminho, a assumir como estilo próprio algo da prática de Jesus”. “Às vezes nos espiritualizamos demais e perdemos essa vinculação com o projeto do Reino como ele é entendido”.

Celebrar a Páscoa em nossos dias significa recuperar os laços da humanidade e da solidariedade que sempre precisamos construir entre nós. Isso se vincula permanentemente com a busca que a sociedade faz de compreender a vida e a verdade, pontua o historiador Solon Viola. Ele sustenta que a solidariedade não é oposta à autonomia do sujeito: “Somos solidários na medida em que decidimos e agimos em direção ao outro, e em reconhecimento desse outro. Nessa dimensão nos humanizamos. Somos seres sociais que precisam radicalmente uns dos outros. Parece-me que, quando o individualismo se opõe à solidariedade, comete-se um equívoco brutal em relação aos seres humanos”.

Por: Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin - IHU

domingo, 25 de março de 2012

A VIDA É MAIS FORTE DO QUE A MORTE

                         SÓ COMEÇAMOS A ENTENDER ALGO DA FÉ QUANDO 
                                    NOS SENTIMOS AMADOS POR DEUS

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 12,20-33 que corresponde ao Domingo 5º da Quaresma, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

O atrativo de Jesus

Uns peregrinos gregos que vieram celebrar a Páscoa dos judeus aproximaram-se de Felipe com uma petição: "Queremos ver Jesus". Não é curiosidade. É um desejo profundo de conhecer o mistério que se encerra naquele Homem de Deus. Também a eles lhes pode fazer bem.

Jesus é visto preocupado. Dentro de alguns dias será crucificado. Quando lhe comunicam o desejo dos peregrinos gregos, pronuncia umas palavras desconcertantes: "Chega a hora de que seja glorificado o Filho do Homem". Quando for crucificado, todos poderão ver com claridade onde está a Sua verdadeira grandeza e a Sua glória.

Provavelmente ninguém entendeu nada. Mas Jesus, pensando na forma de morte que o espera, insiste: "Quando Eu for elevado sobre a terra, atrairei todos até Mim". Que se esconde no crucificado para que tenha esse poder de atração? Apenas uma coisa: O Seu amor incrível a todos.

O amor é invisível. Só o podemos ver nos gestos, nos sinais e na entrega de quem nos quer bem. Por isso, em Jesus crucificado, na Sua vida entregue até à morte, podemos perceber o amor insondável de Deus. Na realidade, só começamos a ser cristãos quando nos sentimos atraídos por Jesus. Só começamos a entender algo da fé quando nos sentimos amados por Deus.

Para explicar a força que se encerra em Sua morte na cruz, Jesus utiliza uma imagem simples que todos podemos entender: "Se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica infecundo; mas se morre, dá muito fruto". Se o grão morre, germina e faz brotar a vida; mas se se encerra no seu pequeno involucro e guarda para si a sua energia vital, permanece estéril.

Essa bela imagem descobre-nos uma lei que atravessa misteriosamente a vida inteira. Não é uma norma moral. Não é uma lei imposta pela religião. É a dinâmica que torna fecunda a vida de quem sofre movido pelo amor. É uma ideia repetida por Jesus em diversas ocasiões: Quem se agarra egoisticamente à sua vida, coloca-a a perder; quem sabe entregá-la com generosidade gera mais vida.

Não é difícil comprová-lo. Quem vive exclusivamente para o seu bem-estar, o seu dinheiro, o seu êxito, a sua segurança, acaba vivendo uma vida medíocre e estéril: a sua passagem por este mundo não faz a vida mais humana. Quem se arrisca a viver uma atitude aberta e generosa difunde a vida, irradia alegria, ajuda a viver. Não há uma forma mais apaixonante de viver que fazer a vida dos outros mais humana e leve. Como poderemos seguir Jesus se não nos sentimos atraídos pelo seu estilo de vida?

                                                          Por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)



quinta-feira, 22 de março de 2012

REFLEXÕES SOBRE O VIVER E O MORRER

UMA VIDA CONSUMADA TORNA FECUNDA A MORTE


                                                                                                       Pe. Adroaldo - SJ

“A tragédia não é quando um homem morre; a tragédia é aquilo que morre dentro de um
homem enquanto ele ainda está vivo” (Albert Schweitzer)

O sentido da vida: não há pergunta que se faça com maior angústia, e parece que todos são por ela assombrados de vez em quando: “vale a pena viver?”. Ninguém tem uma razão pela qual viver se não tem ao mesmo tempo uma razão pela qual morrer. O ser humano tem necessidade de uma causa, de canalizar todas as suas forças, seus desejos, energias, impulsos vitais e recursos internos e externos em direção a um objetivo no qual acredita apaixonadamente. E a ele dedicar-se com tudo que é e possui. Com intensa paixão.

A vida tem fome e sede de significado. A questão do “sentido da vida” ou a
“vida com sentido” é fundamental na existência humana.

-   Por quê vivemos? Para quê vivemos? Quanto vale uma vida e o quê vale na vida?
-   Quem quer ficar ancorado? Quem não aspira preencher a própria vida de relatos,
    encontros, paixões, gestos, lições, projetos, idéias e sentimentos?

Sabemos que, para viver uma vida verdadeiramente humana, precisamos de sentido. Segundo Nietzsche, “aquele que tem um porquê pelo qual viver pode tolerar praticamente qualquer como”. Ao perder o sentido de sua origem e do seu fim, o ser humano perde o sentido da própria vida.

Por trás do ritmo acelerado e estressante dos nossos tempos, esconde-se um enfraquecimento do sentido da existência. A crise pós-moderna que vivemos revela este traço sinistro: as pessoas não percebem mais razões e causas pelas quais se entregar, pelas quais dar a vida. E assim não encontram igualmente motivações para viver intensamente. Segundo S. Inácio, uma pessoa vale pela causa à qual se entrega.

Muitas vezes, nossas fomes viscerais, nossos desejos que nos devoram as entranhas, nossos sonhos que nos inquietam... não encontram canais amplos para jorrar. E então se atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. Surge então a “normose” que mina as forças, atrofia os sonhos e mata a criatividade. E o pior de tudo: anestesia a paixão. Se não há paixão naquilo que fazemos, tudo vira rotina cansativa, não há empenho e nem compromisso possível.

“Viver a fundo” é não passar pela superfície da vida, é não perder a capacidade de amar, de vibrar, de buscar... Aqueles que são movidos pela paixão apostam que o ser humano tem potencial criador e foi feito para voar alto, para tentar, mil e uma vezes, alcançar cumes distantes.

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade” ( C. Drummond de Andrade)

A vida humana é fecunda, é potencial humano, é explosão de criatividade... Assim como na semente há vida latente esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano encontram-se ricas possibilidades, esperando a morte do “eu mesquinho”, para se plenificarem.

Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos vivem, porque incapazes de re-inventar a vida no seu dia-a-dia. Uma vida pensada sem “mortes” perde-se, no final, na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu interior. A morte do falso eu é a condição para que a verdadeira vida se libere.

O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”

Há um dado que nos afeta a todos nestes tempos pós-modernos: a incapacidade cultural de abordar os limites, perdas, fracassos, mortes... Vivemos uma cultura na qual a dor e a morte foram expulsas da experiência humana. É algo feio, de mau gosto, algo a ser eliminado da vida cotidiana.

Vivemos uma das grandes mentiras de nossa cultura, ou seja, a morte já não está presente no cenário cotidiano, já não existe. A morte é distante e virtual, que não afeta à nossa própria sensibilidade.

Vivemos como se tivéssemos que ser imortais. Sempre é assunto dos outros, mas nunca pode ser assunto “meu”. Quando ela está perto, as pessoas se afastam dela, ou então, ela é afastada para locais específicos. É o fracasso radical de uma cultura fundada sobre o êxito e o sucesso e, quando se sente a presença da morte, tudo fica desestabilizado.

Mas o confronto com a morte não precisa desembocar em um desespero que possa destituir a vida de todo sentido. Ao contrário, ela pode ser uma experiência que nos faz despertar para uma vida mais intensa. Ela nos faz reingressar na vida de uma maneira mais rica e apaixonada; ela aumenta a consciência de que esta vida, nossa única vida, deve ser vivida intensa e plenamente, acumulando o mínimo de arrependimento possível. Paul Theroux disse que a morte é tão dolorosa de se contemplar que nos faz “amar a vida e valorizá-la com tal paixão que ela poderia ser a causa verdadeira de toda felicidade e de toda arte”.

A experiência da morte pode servir como uma experiência reveladora, um catalisador extremamente útil para grandes mudanças na vida. “A morte, menos temida, dá mais vida”.

Pensadores mais antigos nos lembram da interdependência entre vida e morte. Eles nos ensinaram que aprender a viver bem é aprender a morrer bem, e que, reciprocamente, aprender a morrer bem é aprender a viver bem. Quanto mais mal vivida é a vida, maior é a angústia da morte; quanto mais se fracassa em viver plenamente, mais se teme a morte.

S. Agostinho escreveu que “é apenas perante a morte que o caráter de um homem nasce”. Muitos monges medievais mantinham uma caveira humana em suas celas para concentrar os pensamentos na mortalidade e para servir de lição à condução da vida. Montaigne sugeriu que a mesa de trabalho de um escritor deve oferecer uma boa visão do cemitério para estimular o pensamento. E a morte não é o fim da vida, mas sua plenitude, quando esta é vivida com sentido. A vida não deve ser corroída pela tirania do egoísmo mesquinho: vida é encontro, interação, comunhão... Desperdiçar a vida é estragar a existência. É trágico que a pessoa jogue fora a vida. Quem conhece o valor da vida não pode degradá-la.
E a morte é processo permanente de esvaziamento do ego para viver a entrega aos outros. Este esvaziamento não significa a anulação da “pessoa”, mas sua potenciação. Na medida em que os aspectos que a limitam diminuem, aumenta o que há de plenitude.

O essencial não é encontrar um caminho para alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”. A vida aumenta quando compartilhada e se debilita quando permanece no isolamento e na comodidade. De fato, aqueles que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se dedicam apaixonadamente à missão de comunicar vida aos outros. O Evangelho de hoje nos ajuda a descobrir que o cuidado doentio da própria vida atenta contra a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Aqui descobrimos outra lei profunda da realidade: alcança-se a maturidade da vida à medida que ela é entregue para dar vida a outros.

Texto bíblico: Jo 12,20-33
Na oração: Somos grãos de trigo na grande seara do mundo; e o grão de trigo eterniza-se na sua  entrega-doação para que outros matem suas fomes e vivam com sentido. Aprendamos a morrer para nossos interesses mesquinhos para que os outros vivam.



quarta-feira, 7 de março de 2012

DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

VIVA AS MULHERES!


Selvino Heck - Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República - Fonte: Adital

Você chega em qualquer lugar, em qualquer canto, em qualquer repartição, em qualquer banco, em qualquer ônibus, em qualquer Palácio, em qualquer escritório, lá está uma mulher trabalhando, lá estão mulheres mostrando que foi-se o tempo em que o preconceito e o machismo eram mais fortes e elas eram ‘do lar’. Hoje estão na presidência da Petrobrás, estão no Supremo Tribunal Federal, hoje jogam futebol, são agricultoras, ministras, hoje são juízas de direito e de campo, engenheiras, mestres de obra, hoje são médicas, professoras, empresárias, reitoras, motoristas, deputadas, prefeitas, vereadoras, astronautas, governadoras, mecânicas, procuradoras, jornalistas, hoje são Presidenta da República, pois sim!

Hoje são do lar se assim o quiserem. Ou, como em muitos lugares e cada dia mais, do lar são os homens, ou também os homens, e por que não? Não são mais apenas elas que cozinham ou limpam a casa, as que ficam com os filhos enquanto eles trabalham, as que levam os cachorros a passear enquanto eles tomam sua cervejinha. Como não são mais apenas eles que consertam a pia ou os canos furados, entendem o barulho dos motores, como se houvesse algum segredo inalcançável nas paredes das casas ou nos carros modernos computadorizados. Tarefas são para serem divididas. Responsabilidades são para serem partilhadas. Ninguém é dono exclusivo do saber, do conhecimento e do poder.

E não faz tanto tempo que elas são donas do seu voto e nariz. São eleitoras, votam e podem ser votadas há apenas oitenta anos. Descontadas as ditaduras, não poucas, faz pouquíssimo tempo, meia dúzia de eleições. E já chegaram lá, na garra e no voto! Coordenam, planejam, distribuem a palavra. Só falta chegarem em postos de mando em algumas igrejas. Mas isso é uma questão de espera e de luta. Não vai demorar oitenta anos.

Há muito a avançar e conquistar. Há ainda preconceitos arraigados, há ainda olhares e gestos desconfiados, há ainda muros e torres a serem derrubados. Com filhos, sem filhos, solteiras, viúvas, separadas, elas fazem parte da humanidade que busca novas luzes, que ama profundamente a vida, quer repartir utopias, vê a emancipação de todas e todos como essencial, luta por direitos a direitos, direito ao prazer, à liberdade, à felicidade e pretende construir solidariamente novas estradas e caminhos.

Este é um novo tempo, o tempo do século XXI e do terceiro milênio. Barreiras ainda existentes serão derrubadas, novos ventos soprarão, até que mulheres e homens, homens e mulheres, mulheres e mulheres olharão um no olho do outro e saberão que, acima de tudo, são companheiras e companheiros, irmãs e irmãos, dar-se-ão as mãos em espírito e em verdade.

Até onde irão essas bravas mães guerreiras, essas jovens cientistas que pensam e fazem o mundo, constroem casas, pensam campos e jardins e tornam a vida de todas e todos mais fácil e digna de ser vivida? Essas mulheres que não se entregam nunca, que lutam contra a fome, a miséria, a pobreza e a desigualdade? O que poderão ainda projetar estas trabalhadoras da palavra e do gesto, estas promotoras da paz e da justiça, estas protagonistas do amanhã e da vida, estas plantadoras de luz e utopia?

Desconfio que não há limites nem horizontes, a não ser sua imaginação, coragem e sonhos. O horizonte está sempre além e adiante. Sem perder a ternura, o charme, o sorriso, a alegria de ser e viver, e a vontade de mudar o mundo.

O tempo urge. Viva as mulheres!

Em sete de março de dois mil doze.

Benção para as MuLhErEs


Que o Senhor nos conceda a audácia de
 Débora e a valentia de Ester e Judite.
Que nos plenifique de alegria como a Ana
e de lealdade e amor como Rute.
Que possamos cantar e dançar junto ao mar,
como Maria, a profetisa.
E, como Maria de Nazaré,
proclamar a grandeza do Senhor
 no triunfo das famintas e humilhadas.

Que cheguemos a encontrar-nos
com Jesus, como
O encontraram Maria Madalena,
Maria Salomé e a Samaritana.
Que reencontraram a dignidade, a
liberdade e um nome novo.

E, como aquela encurvada de quem
Jesus se aproximou e pôs de pé,
Que possamos CAMINHAR erguidas e
ajudar a outras e outros
porque nós e todas as mulheres,
somos chamadas a pôr-nos de pé,
e a CAMINHAR glorificando a Deus.
Amém! Axé! Awere!

Sou Mulher... Sou Libertação

Um dia a mulher gritou: SOU GUERREIRA!

E o eco de sua voz se fez ouvir além das fronteiras!

Sou mulher – mãe guerreira! O fogão não é mais meu limite.
Sou chamada a “rainha do lar”.
Mas, sou bem maior que o oceano e o mar.

Saí...  A aurora não ganhara ainda o céu.
Fui ao sepulcro do meu povo – qual Madalena um dia – e vi:
Havia vida a proclamar! E o meu limite não ficou sendo o meu lar.

Sou mãe...  Dou vida. Sou líder, profetisa, poetisa.
Sou esposa – sou compreensão.  
Sou Mulher... dor... 
Sou povo, sou amor – RESSURREIÇÃO!

Onde houver um caído, eu o levanto. Onde há um morto, um doente, alguém chorando... aí sou guerreira, sou pássaro... eu canto. Levanto meu povo e o tiro da escravidão!
Meu nome é LIBERTAÇÃO.

Sou Paz, sou Esperança. Sou arco-íris neste mundo de injustiça.
Sou Igualdade... 
Meu nome é Fraternidade.
Me chamo Povo – sou Humanidade.

Quem quiser me encontrar... Ah! é  fácil... Não estou só no lar. Estou na luta – sou guerreira, sou negra, sou pobre, sou idosa, sou viúva e quase analfabeta.

Mas é fácil me encontrar na luta. No movimento popular!
Ali todos me conhecem...
Sou o que sobrou de ALEGRIA e AMOR.
Sou tudo de bom, de sonho e de céu.
Sou apenas Maria-Mulher, Maria Miguel!  
                                                                
                                                (Maria Miguel - Comunidade São José – São Paulo/SP) 

Origens do dia Internacional das mulheres

A origem do Dia Internacional da Mulher, data significativa na luta pelos direitos das mulheres, vem sendo distorcida no Brasil e em diversos países. Na cobertura midiática, o dia 8 de março é associado a um incêndio que teria acontecido em 1857 em Nova York e provocado a morte de 129 trabalhadoras têxteis. Elas teriam sido queimadas como punição por um protesto por melhores condições de trabalho.

É importante destacar que houve, de fato, um incêndio, só que em 25 de março de 1911 e de forma diferente da narrada pela imprensa.

As chamas começaram quando um trabalhador acendeu um cigarro perto de um monte de tecidos e alastraram-se rapidamente. As portas das escadas de incêndio estavam trancadas por fora, para evitar que os funcionários saíssem mais cedo. O saldo foi de 146 vítimas fatais, 13 homens e 123 mulheres.
No edifício, funciona hoje a Faculdade de Química da Universidade de Nova York. O incêndio na Triangle Shirtwaist Company foi importante para a melhoria das condições de segurança de trabalhadores como um todo, e não apenas das mulheres, já que também havia homens entre as vítimas.


Um ano antes, em 1910, durante o 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhague, a alemã Clara Zetkin propôs que fosse designado um dia para a luta dos direitos das mulheres, sobretudo o direito ao voto.

Ou seja, o Dia Internacional da Mulher já existia antes do incêndio, mas era celebrado em datas variadas a cada ano.

Para compreender a escolha do 8 de março, remontamos ao dia 23 de fevereiro de 1917, 8 de março no calendário gregoriano. Naquela ocasião, as mulheres de Petrogrado, convertidas em chefes de família durante a guerra, saíram às ruas, cansadas da escassez e dos preços altos dos alimentos. No dia seguinte, eram mais de 190 mil.

Apesar da violenta repressão policial do período, os soldados não reagiram: ao contrário, eles se uniram às mulheres.

Aquele protesto espontâneo transformou-se no primeiro momento da Revolução de Outubro. A proposta de perpetuar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi feita em 1921, em homenagem aos acontecimentos de Petrogrado.

Mas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência dos interesses do poder no período, seu conteúdo emancipatório foi se esvaziando. No fim dos anos 1960, a data foi retomada pela segunda onda do movimento feminista, ficando encoberta sua marca comunista original. Em 1975, a ONU oficializou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.

Para além da distorção dos fatos históricos, um aspecto diferencia fundamentalmente a participação das mulheres nos dois episódios.

No incêndio da Triangle Shirtwaist, a mulher é vítima da opressão dos patrões e do fogo. Já nos protestos de 1917, ocupa uma posição de protagonismo. Encoberto, o fato deixa de mostrar a participação política das mulheres na construção de uma revolução que tem papel importante para a história mundial.
_____________________________________
*Adriana Jacob Carneiro, jornalista, mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora em gênero e mídia do grupo Miradas Femininas, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-03-2010.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...